Quase 50 mil médicos foram formados em cursos mal avaliados pelo MEC; entenda
Por trás dos jalecos brancos e dos consultórios movimentados, esconde-se uma realidade que pouca gente conhece — e que, até agora, quase ninguém teve coragem de encarar de frente. Nos últimos dez anos, o Brasil formou milhares de médicos, mas a formação de grande parte deles foi avaliada como insuficiente pelo próprio Ministério da Educação.
Parece impossível acreditar que, em um país com filas imensas no SUS e carência de especialistas em regiões inteiras, exista um problema ainda mais grave: a má formação médica. Mas os dados são claros. E o que eles revelam é alarmante.
Sim, há médicos em número crescente. Mas o Brasil não precisa apenas de mais médicos — precisa de bons médicos.

Médicos têm diplomas, mas o MEC reprova os cursos
Entre 2013 e 2023, mais de 50 mil médicos se formaram em cursos com notas baixas, ou seja, avaliados com conceito 1 ou 2 no Enade. Isso representa mais de 1 em cada 5 médicos formados no período. São profissionais que, embora oficialmente graduados, saíram de instituições consideradas insatisfatórias.
Mas como isso aconteceu?
Nos últimos anos, o crescimento desordenado de faculdades de Medicina — motivado por programas governamentais e pela alta demanda do setor privado — levou à abertura de dezenas de cursos em todo o país. Porém, muitos desses cursos não tinham estrutura adequada, corpo docente qualificado ou hospitais-escola suficientes para garantir uma formação sólida.
O resultado? Médicos que chegam ao mercado sem a preparação necessária para lidar com a complexidade da profissão, colocando em risco a vida de pacientes — muitas vezes, sem sequer perceberem suas próprias limitações.
A medicina virou um negócio bilionário — mas quem paga é a sociedade
O problema vai além da formação técnica. A medicina se transformou em um dos negócios mais lucrativos do ensino superior no Brasil. Com mensalidades que superam R$ 9 mil, cada vaga representa um ativo de mais de R$ 2 milhões para as faculdades. Com tamanha rentabilidade, a pressão por lucros muitas vezes suprime a preocupação com a qualidade.
Mas o que dizer dos alunos?
Muitos veem na Medicina a promessa de estabilidade e prestígio. Investem tempo, dinheiro e sonhos. Mas acabam inseridos em cursos que não entregam a formação esperada — e que os jogam em um mercado competitivo, sem preparo e sem respaldo.
Enquanto isso, o país continua enfrentando uma distribuição desigual de médicos, com excesso de profissionais nas grandes capitais e ausência quase total nas regiões mais pobres, como o interior do Norte e do Nordeste.
Formam-se médicos, sim. Mas não se resolve o problema da saúde pública.
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Uma solução radical está sendo debatida — mas ainda divide opiniões
Diante do cenário, o governo decidiu agir. Anunciou a criação de uma prova anual para formandos em Medicina, que serviria como critério de acesso à residência médica. Mas, por não ser obrigatória, muitos enxergam a medida como frágil e ineficaz.
Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) propõe algo mais contundente: um exame nacional obrigatório, nos moldes da OAB, que só permitiria o exercício da profissão após aprovação. Uma ideia polêmica, que divide especialistas, instituições e políticos.
De um lado, há quem defenda o exame como única forma de garantir que todos os médicos tenham o mínimo de competência técnica. De outro, surgem críticas sobre uma possível reserva de mercado, impacto na autonomia universitária e desvalorização de currículos alternativos.
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Mas enquanto o debate segue, pacientes seguem sendo atendidos por profissionais que, em muitos casos, não passaram por nenhum filtro além da colação de grau.
E o que está em jogo? A saúde de toda uma geração com alguns médicos
O Brasil precisa discutir, com urgência, a formação dos seus médicos. Não apenas para proteger pacientes, mas também para proteger os próprios profissionais — que muitas vezes são vítimas de um sistema que lhes vendeu um diploma, mas não ofereceu preparo real.
Enquanto não houver reformas estruturais no ensino médico, nem políticas públicas para equilibrar a distribuição desses profissionais, continuaremos alimentando um ciclo que forma mais médicos, mas cura menos pessoas.
A notícia mais difícil de aceitar é também a mais importante de saber: o título de médico não é mais garantia de competência.