Lei que perdoa crimes ambientais pode ser suspensa: entenda o risco
Parece apenas mais uma disputa jurídica, mas esconde uma verdade alarmante: o futuro de uma das maiores reservas ambientais da Amazônia pode estar por um fio. Em Rondônia, uma nova lei, recém-sancionada, promete regularizar ocupações irregulares e anistiar crimes ambientais cometidos dentro da Reserva Extrativista Jaci-Paraná.
Mas o que é defendido por alguns como uma oportunidade de “desenvolvimento”, é apontado por outros como uma ameaça direta à floresta, à legalidade e aos povos tradicionais.
O Ministério Público de Rondônia (MP-RO) não ficou em silêncio. A instituição entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), alegando que a norma, aprovada pela Assembleia Legislativa e chancelada pelo governo estadual, fere princípios constitucionais e incentiva a impunidade ambiental.
O que está em jogo não é apenas uma lei, mas o modelo de proteção das florestas brasileiras.
Mas por que uma lei estadual está gerando tanto barulho nacionalmente? E o mais importante: quem sai perdendo se essa legislação continuar em vigor?

O que diz a nova lei e por que ela preocupa
A norma, de autoria do deputado estadual Dr. Luis do Hospital (MDB), foi criada para “regularizar” ocupações na Resex Jaci-Paraná, uma unidade de conservação de mais de 200 mil hectares entre Porto Velho e Nova Mamoré.
O texto autoriza a permanência de invasores e anistia multas ambientais, mesmo para quem desmatou ilegalmente grandes áreas para pecuária.
O argumento oficial? Promover regularização fundiária, geração de renda e paz no campo. Mas, segundo o MP-RO, a proposta legaliza o crime, desrespeita leis federais e ignora décadas de devastação ambiental.
A Resex, criada em 1996 para proteger comunidades extrativistas, perdeu mais de dois terços da sua cobertura florestal original, em parte por causa da ocupação irregular que a própria lei agora pretende premiar.
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E mais: não há exigências de recuperação das áreas degradadas, nem critérios claros de compensação ambiental. A norma também autoriza a extinção de processos judiciais existentes — algo que, segundo os promotores, estimula novas invasões.
Tradição ameaçada: comunidades invisibilizadas
A contradição é gritante. Enquanto a lei busca proteger quem invadiu e desmatou, ignora completamente quem protegeu.
As comunidades tradicionais da Resex, que há décadas vivem da extração sustentável de látex, castanha e açaí, não foram consultadas na elaboração da norma. O resultado? Insegurança, abandono e risco de conflito.
Sem participação das populações tradicionais — algo que é exigido por convenções internacionais e pela legislação ambiental brasileira — a medida perde legitimidade e ameaça os direitos de quem mais respeita a floresta.
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Além disso, há um risco concreto de que novos “ocupantes regulares” passem a disputar espaço com extrativistas legítimos, elevando a tensão social e dificultando ainda mais o controle ambiental da região. Para o MP, essa distorção é clara: em vez de punir quem destrói, o Estado estaria fragilizando os próprios pilares da conservação.
A corrida contra o tempo: o pedido de suspensão imediata
Diante da gravidade da situação, o MP-RO pediu ao Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) a suspensão imediata da lei por meio de medida cautelar, até que a ação seja julgada em definitivo.
O argumento central? A legislação viola a Constituição Federal, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/2000) e enfraquece o arcabouço legal que protege as florestas brasileiras.
Mas o problema não é exclusivo de Rondônia. Ambientalistas alertam que, se a lei for mantida, outros estados podem seguir o mesmo caminho, criando “perdões oficiais” para crimes ambientais sob o pretexto de legalização fundiária. Isso representaria um golpe duro contra compromissos ambientais do Brasil, inclusive em acordos internacionais.
Vale lembrar que, segundo dados de monitoramento, a agropecuária ilegal cresceu 239% dentro da Resex Jaci-Paraná entre 2012 e 2022. O desmatamento continua em ritmo acelerado, e a fiscalização — já precária — foi enfraquecida pela própria proposta que hoje tramita nos tribunais.
A floresta tem voz. Mas, neste momento, ela está sendo abafada por interesses que confundem regularização com impunidade. A nova lei de Rondônia, travestida de solução, pode se tornar o precedente mais perigoso da década no que diz respeito à política ambiental brasileira.
Agora, o futuro da Resex Jaci-Paraná está nas mãos do Judiciário. E o Brasil precisa decidir: vai permitir que crimes ambientais sejam recompensados com títulos de posse? Ou vai reafirmar que a preservação da floresta e o respeito às comunidades tradicionais ainda são prioridades?